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Urban Jungle

pensamentos, divagações e tangas da selva urbana

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14
Set05

A PRAGA

Cereza

Acreditem, vale mesmo a pena ler este texto do Abel! Genial!


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A minha Trilélé ou Trelélé, é assim que vou chamar-lhe, porque eu estou perdidamente obcecado por ela, vive sempre comigo, não me larga e vai sempre para onde vou. Vale a indiferença e desatenção da outra, a Lua. Por isso é que a outra se chama Lua por estar sempre na Lua, não desfazendo, claro.



Trata-se daquela coisinha pequenina que nunca nos deixa a falar sozinhos mesmo quando falamos sozinhos. E vai ser do sexo feminino porque a viver comigo, um de nós teria de ser o painasca. Como até à data nunca me deu tal gana, também não vai ser nem agora nem depois. Por isso, ela é decididamente ela e o curioso é que ela não se importa por ser eu…lindo…como sou…


Antes dela, a minha vida foi preenchida por mais duas. Uma de cada vez, claro. A primeira era novinha. Não sei se fui eu que não a tratei bem ou se foi ela que se fartou de mim. Sei que um dia desapareceu. Foi como se tivesse ido mesmo ali ao lado comprar um maço de nicotina ou uma massa (creme) para pôr na fronha e zás! Lá se foi. Ainda esperei uma série de dias, tristonho, dolorido mas nada. A paineleira nunca mais deu vida de si. Talvez a tonta tivesse saltado do Mitsubishi em andamento sem me dar a aperceber do facto...É uma hipótese não confirmada…ou escapou e anda por ai, com outro, claro, só pode, ou foi atropelada. Por esta situação livrei-me do choro que estava a guardar para quando ela um dia se fosse. Vou guardar a lagrimazita para outra…do que me safei…


A segunda, já muito cansadita quando chegou às minhas mãos delicadas…, finou-se. Desgostoso, porque já a tinha no coração, achei que não ia querer mais nenhuma no meu quotidiano e muito menos para o resto da minha vida. Foi uma boa companheira. Decididamente eu passaria a partir daí a viver só. Era muito dócil, obediente, às vezes cheia de manias como são todas as idosas, por vezes já não queria alimentar-se para recuperar energias, enfim, lá se foi. Fartei-me de chorar porque ela devia durar um pouquinho mais. Talvez lhe tenha faltado a força de viver…
Passado o desgosto, (e como não há duas sem três) demora sempre um bocadinho pelos danos psicológicos, que é uma espécie de pedrada na cabeça que os espertos chamam de “pós-traumático…” resolvi arranjar outra e teria de ser de acordo com a minha idade porque eu já não estou cá para loucuras como nos vintes e as experiências anteriores não tinham sido agradáveis. Queria não muito nova, evitando assim saltos em andamento e também não muito idosa para evitar, no curto prazo, possíveis cerimónias fúnebres.


Assim, arranjei uma com alguns anitos, já com algumas falhas na pintura, tal como eu com ausência de alguns pelos no couro, a que normalmente digo serem pelos mal distribuídos (não sou careca), tal como ela com a tinta também mal distribuída pelo seu delicado corpo. A Trelélé é de tom claro, mas não morena, dimensão 8 por 2,5 por 4 (8x2,5x4), dotada portanto de forma singela (não de viola) apresenta simples beleza, usa brinquinho na orelha, é unicórnia de nascença, trás sempre consigo a mochila onde carrega a dieta e traja de fita na cabeça. De origem asiática, seu pai é japonês e mãe coreana. Como vive comigo, em regime jurídico de loucura, é por direito portuguesa.


Tem sido uma companheira dedicada e delicada, diz-me tudo e mais alguma coisa, não é promíscua como muitas que por aí andam, é secretária atenta, avisa-me de tudo, acorda-me quando estou a meditar na sesta frente ao Televisor. Tem vibrador, tal como o colchão da Manela, para me alertar quando pretendo segredo, isto é, nos colóquios, nos funerais, na igreja (embora lá entre raríssimas vezes..), nas aulas e nas reuniões. É interessante o seu vulgar pipi. É suavemente discreto e não dá nas vistas. Não me berra como aquelas que chamam os painascas a cantar com suas cantiguinhas muito pirosas, tipo sinfonia à Zécabra, ou pior ainda, cantiguinhas que acordam defuntos quando por perto lá andam, as desavergonhadas. E nas igrejas! Até o Padre-cura se engasga com a hóstia e derrama o vinho para cima dos paramentos por causas dos pipis.


A Minha Trelélé tem tantas saliências e tantas coisas dentro dela que acho que não vou conseguir nunca tirar todo proveito da bicha, isto é, ela tem tanta capacidade que eu até me envergonho por vezes de lhe tocar. Mas não posso resistir porque como a vista também já me vai faltando, só apalpando é que ainda vou conseguindo alguma sensibilidade nos dedos… De vez em quando lá vai um clisterzito pela zona baixa, que ela deliciada adora e fica imediatamente com energia estonteante. Mantê-la, tem custado uma nota preta porque a empresa que fornece a via (banda para passar) é de um país com população muito rica e por essa razão tem também das taxas dos impulsos mais elevadas da Europa. Enfim, mas vale o esforço…neste Portugal por ser muito querida…


Claro que não estou a falar de um popó velho como o do Padre Hilário, nem de um colchão como o da Manela, nem de um barcão como o do Herman José e muito menos de um chalé como o LALAU da Cereza, estou a falar do meu pequeno e humilde telemóvel, a quem adoro chamar de Trélélé…


Como praga, acho que, genericamente, o comportamento de tais bichas é também muito interessantes. Como na Europa temos os valores estatísticos mais apreciáveis em quase tudo, é muito provável que estejamos nomeados para receber algum prémio, quiçá? Português ao trelélé, tal como ao volante, somos os maiores… Combinando ambos os instrumentos ultrapassamos de certeza todos os painascas europeus. Não só nos locais que acabei de referir como nas estradas e noutros locais onde na nossa juventude (minha e dela) ficava lá fora. Agora é normal irem aos lavabos falam, mexem, remexem no coiso, não sei se também na pia, seguidamente sentam-se para as refeições e tornam a falar e a remexer no coiso. Água nas mãos, vai-te embora ó gato... Lavam-se depois…, num dia destes… As salas de aula, em plena actividade, quase são o cantinho das conversações. Na estrada, em plena condução, falam que se fartam, fazem entupir o trânsito, mas quem vem atrás que espere porque a estrada é para se conversar, ora então… A Polícia propôs mesmo às entidades governamentais um desconto nas eventuais multas para quem mais conseguir falar com as mãos nos ouvidos, tipo as meninas da Ribêra. Surgiu mesmo uma Instituição de Defesa dos Falantes Sem Mãos ao Volante (IDFSMV) que vai certamente fazer correr muita tinta. Como são giras as modernas criaturas! Deambulam de um lado para outro, falam, falam mas não dizem nada…, de mão no ouvido como tontinhas, gesticulam, pontapeiam, é um gozo vê-las…


Os carros são coisas grandes, dormem na rua, ou na garagem, entendo que isso é uma violação ao direito dos automóveis. Connosco isso não se passará, o meu Trélélé dorme sempre junto a mim.


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Abel Barreto Marques
7/9/2005


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