Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Urban Jungle

pensamentos, divagações e tangas da selva urbana

pensamentos, divagações e tangas da selva urbana

Urban Jungle

01
Abr06

Ajudem-me a morrer...

Cereza

    

Não poderia nunca deixar esta resposta do Abel ao texto da Morgaine sobre a eutanásia, passasse despercebido. Basta ler e irão entender porque? Parabéns e Obrigada Abel.

 

        

 

Querida “morgaine”. Parabéns pelo teu sentido de antecipação. Andava eu paulatinamente a estudar e a preparar este assusto, há já algum temo, quando de repente, “et voilá”. Eis que surge um assunto polémico e que tem gerado inúmeros debates na opinião pública com inegáveis posições bem escoradas em consciências nobres e sem que possamos, honestamente, criticar o fundamento em que se apoiam, embora a opinião de cada um de nós, individualmente, possa não concordar com hipotética opinião, simplesmente porque não é a nossa. Pela pertinência de teres trazido o tema à liça, pelo teu carácter decisivo e firme, opinando abertamente e tendencialmente para uma das partes, os meus parabéns. Quem não se interessa pelas coisas, quem não se interroga, não pensa. Mais uma vez estás de parabéns também por isto.


Pedes para te explicar caso alguém seja a favor. Mas não há nada para explicar sobre o que já sabes. Embora haja muitas outras razões, a principal já a disseste, não a entendes e repeles porque não a queres. É isso mesmo! A dignidade humana.

 

     

 

Lembro-me daquele espanhol (Ramón Sampedro) que decididamente acabou por ficar lembrado eternamente por isso. Estava cansado de vegetar. Estava cansado de se manter em estado de indignidade pela simples razão de não lhe permitirem extravasar a sua força de vontade e determinação. Há dias ouvi esta frase muito a propósito: “Tenho a minha opinião, temos também a tua e depois temos a verdade”. Pois a minha verdade é a seguinte: Se algum dia me bater à porta tal situação desesperante, não pretendo nem quero sofrer, não pretendo que as pessoas que me amam sofram com a minha agonia. Deixem-me partir porque sei que mais uns dias em sofrimento nada resolvem (são pesados e longos) e sei também que vou passar milhões e milhões e milhões de anos do lado de lá. Para quê mais um infinitésimo do insignificante tempo do mundo, em agonia e sofrimento que para mim pode ser longo e doloroso?


Sou da opinião de um tio, quando há cerca de um ano atrás, na sua derradeira caminhada, me impressionou com os gemidos próprios da sua fase terminal. “Deixem-me partir! Quero ir embora! Aaaai… aaai…..”. Com a voz profundamente arrastada e deformada, dobrado sobre si próprio, chorava de dores, chorava porque a cortisona já não produzia efeito, chorava mas não saía uma única lágrima, chorava porque ninguém, nem o seu Deus lhe dava clemência. Esse tio durou mais duas longas e penosas semanas. Penso que percebi o sofrimento, impotente para lhe poder fazer a vontade.


Tinha eu vinte e poucos aninhos quando, no cumprimento do serviço militar, um camarada de armas caiu do camião, em viagem de serviço, e o duplo rodado traseiro passou-lhe sobre a bacia. Todos os órgãos interiores e exterior (testículos), dessa zona do corpo, ficaram literalmente passados (escroto rebentou o saco protector), impossíveis de recuperação ou regeneração. Até eu, que nada entendia de medicina, percebi imediatamente que era caso perdido, como mais tarde o alferes médico confirmou. O amigo “setenta” (70) mesmo assim ía penar mais cerca de duas longas horas. Coube a mim a missão de o carregar, a meio da viagem, metê-lo, com ajuda dos outros, em cima de um “Unimog” (viatura militar), sem qualquer condição de transporte para o efeito, e levá-lo a vinte quilómetros do acidente, picada fora, cheia de buracos e covas, para a povoação mais próxima (Quitexe) onde havia um médico do Batalhão que de imediato chamou o helicóptero e este, antes de colocar o trem de aterragem no chão do “Negage” (pequena cidade) o jovem coração do amigo “70” proporcionou-lhe a paz desejada. Esses vinte quilómetros traduziram-se em cerca de noventa (1h 30m) minutos, aos solavancos consoante o piso da picada, que pareceram, até para mim, uma eternidade, cuja voz moribunda e dilacerada ainda a oiço. Também não lhe vi uma lágrima, embora chorasse aos gritos. Abel, quero uma arma, dá-me uma arma! Na altura não me passou pela cabeça dar-lhe a arma mas hoje teria vontade de o fazer para dignificar a sua desesperada determinação.


A vida humana, como é tua e minha opinião, e muito bem, deve ser valorizada enquanto tal. Para mim, em casos extremos, uma forma de a valorizar é interrompendo, sem dor, no curso final, pelo processo dito de tecnicamente assistido, quando ela já não tem sentido, é nulo o seu significado e zero a probabilidade de recuperação, isto é, ela perde todo valor prolongar a vida porque, nestes casos, é uma maldade. “Somos pó e do pó viemos” diz a Bíbia.


Se este tipo de assistência na saúde vier um dia a ser aprovada, é óbvio que as instituições devem criar mecanismos de salvaguarda para evitar abusos. A procura de órgãos pode originar tais abusos porque já se vai ouvindo aqui e ali. Mas o abuso não pode ser razão suficiente para impedir a legalização de dignos actos médicos, tal como em alguns países é legal o aborto.


Se é digno ao médico roubar à morte uma vida (interrompendo o ciclo normal da natureza quando a salva) também deve ser digno interromper essa vida quando ela perdeu todo o valor para a pessoa que a tem (interrompendo o ciclo da natureza pela mesma razão). Se o médico não quer interferir ou a esmagadora maioria da população a rejeita, então é porque a ética, os princípios e os valores prevalecem. Sobre isto poderíamos ter neste blog muita conversa interessante


O termo Eutanásia foi proposto por Francis Bacon em 1623 (em “Historia Vitae et Mortis”). Significa “boa morte”, do grego “eu” (bem) e “thanátos” (morte). Sobre este assunto, que infelizmente muito fica por apresentar, importa constatar que existem muitos conceitos ou palavras que interessa lembrar e que rondam esta vizinhança. Distanásia, ortanásia, ortotanásia, mistanásia, eutanásia activa, eutanásia passiva, eutanásia eugénica, aborto, suicídio e suicídio assistido, qualquer negligência médica pode ser eutanásia, desligar a máquina é eutanásia, deixar morrer de fome os povos em África é eutanásia, o condenado à morte por quem proíbe a eutanásia é eutanásia, infanticida, etc.

 

Historicamente, a eutanásia acompanha a humanidade desde há milhões de anos. A história regista esta situação na Índia, na Grécia, a Bíblia relata que o Rei Saul, gravemente ferido por soldados inimigos, implorou ao seu pajem que lhe pusesse termo à vida, Platão, Sócrates, Epicuro, Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates escreveram sobre essas questões, Cleópatra VII (69aC – 30aC) criou no Egipto uma escola cujo objectivo consistia em estudar formas de morte menos dolorosas, Thomas More (Em Utopia, escrito em 1516) descrevia a cidade perfeita com o suicídio assistido. Na Inglaterra (em tempos), no Uruguai (através de documento Constitucional), actualmente na Holanda e na Bélgica a prática é conhecida e, curiosamente, a nossa vizinha Espanha também se pratica o aborto. Quer queiramos quer não, um dia isto é inevitável no mundo porque este está a abarrotar de gente. Quando abatemos todos os outros animais porque o espaço é pequeno, tomaremos um dia consciência de que estamos também a mais num mundo superlotado. A eutanásia será um dia legalizada pelas autoridades ou instituições, não porque estejam preocupados com a dignidade humana ou com as dores dos pacientes mas porque pode ajudar eventualmente a diminuir a população.

 

A China já o faz descaradamente ao manter a pena de morte maciçamente e proibir mais do que um filho em cada casal.
A natureza está dotada de mecanismos que regulam o seu funcionamento mas o Homem subverteu e desequilibrou completamente todo o processo. Ele começa a perceber o seu acto e, como tal, tem tentado pôr termo a isso. No entanto, a teoria de Malthus sobre o crescimento da população em exponencial continua vigente. Talvez só a intervenção das forças divinas poderão abrandar tal crescimento dado que, contrariamente, a medicina tem sido uma alavanca de aceleração ao desequilíbrio.


Verificamos hoje o aparecimento de bactérias e vírus ou a sua resistência (seres minúsculos e invisíveis que nos destroem ou extinguem) que implicam doenças aos humanos que a medicina se vê a braços para as combater. Talvez seja o prenúncio dum reequilíbrio da natureza porque estou em crer que esta se encarregará naturalmente do equilíbrio do Universo.


Estamos em 2006 mas se a teoria de Malthus estiver certa imaginemo-nos daqui a 2000, 5000, 10000 ou 100000 anos. Façamos por comparação uma retrospectiva do que nos disseram alguns cérebros lúcidos, adiantados no tempo, que viram o que agora os nossos olhos constatam: Neste nosso tempo passamos em revista o que nos mostram os filmes actuais sobre a ficção científica (um manancial de coisas que ainda não existem mas que sabemos ser possível no futuro existir); O Big Brother de Orsom Welles é uma projecção destas coisas incómodas; As profecias de Nostradamos; A viagem à lua de Júlio Verne; O que escreveu Alvin Toffler no seu livro a “Terceira Vaga” relativamente à criação de bactérias e possível comercialização, a aquisição de bombas de destruição maciça por grupos ou países nada escrupulosos; etc.


Concluo que tudo isto pode tender para uma necessidade de controlo da humanidade e neste controlo estará inevitavelmente a eutanásia.
Já agora, e para desanuviar um pouco a minha pesada dissertação, julgo que o senhor Luís Boamorte (jogador de futebol) devia chamar-se Luís Eutanásia.


 

Abel
1/4/2006


10 comentários

Comentar post

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2007
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2006
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2005
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2004
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D