|
Eles são tudo. E ponto final. E quando nós nos apercebemos disso, não há nada que nos impeça de querermos vê-los crescer, mesmo que estejam a dormir.
É nessa altura que eles são mais nossos, que não se dispersam nas brincadeiras, não querem ver televisão, não querem comer doces, não querem nada. A respiração deles enquanto dormem, silenciosa, é como um pedido, um chamamento, para ali ficarmos a amá-los, em silêncio também, de forma não perturbadora. E então, são tão nossos apertamos-lhe a mão, quentinha, eles mexem-se suavemente na cama, viram-se um pouco a acomodarem-se e ali estamos nós, como burros a olharem para um palácio, o mais lindo palácio do mundo e fomos nós que o fizemos e é nosso
Fazem-nos ter arrepios de medo e acordamos a meio da noite só para os vermos dormir e termos a certeza que estão bem.
E crescem. E nós sofremos a cada dia que passa por não termos visto a descoberta que fizeram ao perceberem que já se sabem calçar sozinhos ou quando produzem dezenas de riscos coloridos num papel e dizem com um ar triunfal, ufano e satisfeito Toma, és tu! E afinal até encontramos semelhanças nos riscos e em nós, e somos mesmos nós, tão lindos que somos aos olhos dos nossos filhos. E quando acontecem estas coisas, nós crescemos e ficamos com vontade de festejar não sabemos bem o quê, mas a nossa alegria interior é tão grande e eles são tão pequenos, tão desprotegidos, será que estamos a prestar-lhe a segurança que merecem e eles merecem tudo, demos-lhe vida e dávamos a vida por eles.
E continuam a crescer e cada dia que passa é um mundo e nós vamos percebendo que não vimos o mundo. E sentimo-nos perdidos entre vários mundos, com certezas absolutas do mais importante dos mundos: é ele. Mesmo que não reclame por nós, interiormente sentimos a sua falta e a falta que lhe fazemos e choramos por dentro e transformamos as lágrimas em prendas, quando o que eles queriam era passear de mão dada, era que os fossemos buscar à escola, para nos mostrarem aos amigos e provar que aquele pai e aquela mãe são efectivamente os mais bonitos pais e mães de todos os miúdos daquela escola e arredores, porque se para nós eles são o néctar da existência, para eles, nós somos os melhores e os maiores e eles fazem questão de mostrar isso mesmo aos amigos e de os fazer invejar aquela mãe e aquele pai, que é deles e de mais ninguém.
E continuam a crescer. E os dias passam e nós sentimos na pele o crescimento deles e surgem espaços vazios que só podem ser preenchidos com brincadeiras deles e palavras ainda mal aprendidas e beijos lambuzados de chocolate e imitações dos nossos gestos e quererem vestir a nossa roupa e exigirem que sejamos da idade deles para brincarmos também. E é tão bom não nos lembrarmos que estivemos o dia todo preocupados em não rasgar as meias, mas quando os vemos ao fim do dia, caímos de joelhos para aquele abraço, em que lhe queremos dar tudo e dizer que, se depender de nós, damos-lhe o mundo e roubamos a lua para que ele possa brincar com ela a noite toda.
Bonecarussa