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Urban Jungle

pensamentos, divagações e tangas da selva urbana

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28
Jul05

Caso-de-vida de uma anoréctica nervosa a entrar nos ‘intas

Cereza

É já o terceiro artigo sobre anorexia nervosa neste blog... o que não é demais! é um problema que parece atingir, jovens, adultos, homens e mulheres! É uma história de vida, contada na primeira pessoa... por uma anónima... nem eu a conheço, apenas temos uma amiga em comum.... Entendo que não é fácil falar destas coisas... e compreendo não querer revelar quem é. É um excelente relato!



(- Preciso perder mais 10 kilos, não acham? Comi demasiado, já volto! )



Sim, vomitar. De uma forma muito directa, é isso que alguém que sofre de anorexia faz: come e depois vomita. Ou então pouco come mas vomita na mesma.
E eu sofro de anorexia nervosa. Mas, ao contrário da maioria dos pacientes que compõem as estatísticas, não sou adolescente: tenho 30 anos. Há 3 anos a esta parte que estou doente.

Pergunta-se, neste momento, quem lê: 30 anos e sofre de anorexia nervosa só há 3? Não pode. A coisa tem vir de trás. De certeza que se passou algo na adolescência... de certeza era gordinha, rechonchuda e gozavam com ela no liceu. Ou se não gozavam pelo menos faziam comentários jocosos sobre algumas banhitas que pululavam pela zona da cintura. E se não foi no liceu, deve ter sido na faculdade. Qualquer coisa do género. Mais uma que quer ser top model, que quer caber num 36, quiçá num 34. Que se olha no espelho e se vê com, no mínimo!, mais 10 quilos em cima.

Pois bem, desenganem-se. Aos 30 anos continuo a não poder fazer uma coisa tão simples e humanitária... como dar sangue... Porque sempre pesei menos de 50 quilos. Os antecedentes familiares assim o ditaram.

Para mim uma refeição é e sempre foi um momento de prazer, de puro deleite: sozinha ou acompanhada. Nunca soneguei comida por debaixo da mesa nem tão pouco me recusei a comer. Vá, pronto, quando era mais miúda não gostava de alface e detestava peixe cozido. Confesso que este último continua a ser o meu grande pecado mortal. E não como doces porque não aprecio. É verdade, uma bola de Berlim não me seduz, nem mesmo nos momentos de maior aflição... talvez um rissolzito de carne, um croquete e uma batata frita-de pacote óbvio e preferencialmente com um sabor bem pronunciado.

Sempre tive dificuldade em encontrar umas calças que me ficassem bem, que não tivessem de levar um arranjozito na cintura. Pasmem: durante muito tempo, quase não conseguia comprar calçado porque tenho os pés magros! Hoje pouco me importa. Depois de anos de pesquisa em shoppings e prontos-a-vestir, aprendi a entrar numa loja e a retirar dos mostruários o que sei que me serve e em que não é preciso nem um retoque.

Ah pois.... Afinal há magras que são mesmo magras! Há magras que não são dieto-dependentes, espelho-dependentes, balanço-dependentes, tabelas-de-calorias-o-dependentes, laxantes-o-dependentes, enche-o-bandulho-e-a-seguir-dedos-na-boca-e-bota-para-fora-o-dependentes.

Mais uma vez perguntam: então mas qual é o teu problema??????

Sempre fui extremamente racional, compulsivamente independente.
Nunca soube lidar com as emoções. Fechava-me ao mundo se algo me magoava. Criei barreiras defensivas, ardilosamente construí mecanismos de defesa para sobreviver às agressões que a vida me proporcionou. Chorar só sozinha e fechada entre quatro paredes, onde ninguém pudesse ouvir ou ver. Gritar nem pensar: isso não seria próprio. Dizer asneiras então, completamente fora de questão: é feio. Discutir e ofender quem me ofende só quando na panela já não coubessem mais ingredientes...

Até que um dia as barreiras caíram, os mecanismos emperraram e naturalmente deixaram de funcionar. As lágrimas continuaram presas, os gritos apertados na garganta, as asneiras coladas na língua. Deixei de me compreender. PERDI-ME.

O corpo tratou do assunto já que a mente não conseguia debelar as dificuldades: comecei a vomitar espontaneamente, invariavelmente depois do almoço e, claro, à porta fechada. A refeição continuava a ser um prazer, um deleite. Só que depois, o estômago entrava em contracção e a única alternativa era, naturalmente, abrir a boca. De facto, sentia-me aliviada. Havia cumprido a minha função: sem chorar, sem gritar, sem dizer asneiras, sem manifestar uma gota do que me atormentava, tinha conseguido deitar cá para fora as coisas.

Assim mantive este ritual de auto-punição durante cerca de 1 ano e uns pozinhos, com manifestações cujos intervalos se tornavam cada vez mais regulares: do episódio mensal, passei ao episódio semanal e quase ao diário. Tinha consciência que estava a ficar ainda mais magra, o guarda-roupa encolhia ao mesmo ritmo que o meu corpo. Os outros comentavam o facto, obrigavam-me a comer ainda mais do que já era meu hábito.

Só me apercebi que estava doente quando, para além de não conseguir manter a comida no estômago – não obstante tentar fazer todas as refeições e ter fome – deixei de dormir, as alterações ao ciclo menstrual se começaram a manifestar: tensão arterial instável, enxaquecas constantes, dores lacinantes e o isolamento, por vergonha, se tornava cada vez mais uma alternativa ao convívio.

Por pé próprio pedi ajuda médica, procurei um terapeuta e comecei a tratar-me. Informei as pessoas mais próximas do que se estava a passar e solicitei apoio.
Como costumo dizer, estou clean há mais de um ano. E ASSIM TENCIONO FICAR.

Aprendi a controlar a ansiedade nos momentos de maior pressão, de maior stress, de maior tristeza, de maior angústia. Aprendi que chorar faz bem, mesmo que esteja alguém ao lado, aprendi a gritar, aprendi a dizer asneiras. No fundo, entrei numa estrada de encontro a mim própria. Onde se caminha ora em passos pequenos ora em saltos de gigante mas sobretudo com a mais ínfima paciência.

O que pretendo com isto tudo? Contribuir com mais um testemunho?
Não só.
Alertar, na lisura que me cabe, as consciências: para o perigo dos ESTEREÓTIPOS.


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Não são só os/as adolescentes que têm distúrbios alimentares porque querem ser a Kate Moss ou o equivalente masculino.

Volto a dizer: tenho 30 anos e sofro de anorexia nervosa. Sempre fui magra, todos os 34 e 36 deste mundo sempre me assentaram que nem uma luva sobre o corpo. Nunca olhei no espelho e vi outra pessoa nem nunca vi ninguém disforme nem nunca fiz dieta.
Olhem à vossa volta. Quantas pessoas, mulheres e homens, CRESCIDOS, se auto-punem, secretamente, desta maneira?
Quantas pessoas, mulheres e homens, TAMBÉM se (meio?)auto-punem com-dietas-que-se-começam-agora-faz-pausa-amanhã-porque-o-amigo-tal-vai-fazer-uma jantarada-mas-no-dia-seguinte-recomeço-porque-senão-as-calças-não-servem-e-no-outro-dia-tenho-de-ir-jantar-com-a-maria-ou-o-manel-e-desta-forma-ela-ou-ele-não-vai-gostar-de-mim?

Quantas pessoas, mulheres e homens, CRESCIDOS, não se conhecem a si próprios, andam em direcções erróneas, sofrem porque não conseguem espernear?


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Sem-Nome




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