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Urban Jungle

pensamentos, divagações e tangas da selva urbana

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31
Jan05

Eu, anoréctia-bulímica me confesso

Cereza

Aqui fica um testemunho importante para mulheres e homens. Cada vez mais queremos ser como os modelos, corpos perfeitos, vistosos... sem dar importancia á saude. Uma anónima escreveu sobre o pesadelo que viveu!Mais um caso de Vida, neste blog.



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Pode-se dizer que tive uma infância feliz, apesar do divórcio dos meus pais, quando era ainda muito pequena.
Tive uma vida comum, como muita gente.Mesmo a adolescência foi uma vida sem grandes sobressaltos, tanto na alimentação, como no aspecto geral.
Não tinha qualquer brio em relação ao meu físico, de modo que se pode dizer que aqueles tempos eram bem felizes.



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Até ao dia em que, numa fase já susceptível à opinião que os outros têm de nós,principalmente no que toca aos amigos e família, começaram a chamar-me a atenção para o peso. Comecei, então, a remoer no assunto. E foi a pior coisa que fiz.
Comecei a olhar-me mais vezes ao espelho, a reparar que as raparigas magras vestiam tudo e mais alguma coisa, enquanto que em certas lojas, eu tinha dificuldades em arranjar roupa.
Algumas lojas de roupa têm culpa de incutir certas ideias às raparigas, porque,se formos a ver bem, umas calças tamanho 42 parecem 40, as de 40, 38 e por aí adiante. Há, até, lojas em que os nºs só vão até ao 38.
Ainda hoje, essa situação mantêm-se... vejo raparigas a tentar vestir um 38, por exemplo, quando deveriam experimentar o número acima. E chego a ouvir alguns resmungos do tipo:Tenho de emagrecer, senão, nada me serve.



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Aos dezasseis anos, resolvi começar uma dieta. Na minha mente, eu pensava:Se eu for magra, as pessoas gostarão mais de mim e deixarão de estar sempre a apontar-me o dedo.
Comecei a comer menos, a deixar de comer certas coisas como os doces, por exemplo e alguns fritos. Ao fim de algum tempo, comecei a emagrecer, lentamente. Mas eu não queria dessa maneira, queria que fosse mais rápido. Foi então que entrei no mundo das dietas, laxantes, diuréticos e produtos Milagrosos de emagrecimento rápido.
Almoçava, tomava laxantes, jantava, mais laxantes. E entre as refeições, chás de emagrecimento, ou ampolas. Comecei a comer cada vez menos, alegando que tinha tomado o pequeno-almoço ou o lanche a horas tardias. Ninguém se apercebeu.
Mesmo às refeições, acompanhada, arranjava sempre desculpas para só comer sopa e, se tinha de comer algo mais, já se sabe o que acontecia depois.
Ia emagrecendo e a gostar de me ver mais magra, a largar os números 44 e 42 (conforme os modelos), para passar a vestir o 40 e, pouco depois, o 38.
Usava t-shirts largas (isto passou-se no verão) para esconder a magreza e aí é que está a contradição da situação: se já se está magra, porque esconder isso? A resposta a isso, é: não para esconder a magreza, mas sim a suposta gordura. Uma anoréctica NUNCA se vê magra, nem que a espetem numa sala cheia de espelhos e lhe digam continuamente que está magra.
A anorexia é assim mesmo: retira-nos toda e qualquer percepção do real em relação ao corpo. Por mais magra que se esteja, a percepção em relação ao corpo é sempre distorcida da realidade.



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Consegui passar despercebida um tempinho, até ao dia em que ia dar uma volta de carro com a minha mãe e a t-shirt deslizou para o lado, mostrando os ossos, exactamente na altura em que ela olhou para mim para me dizer algo. Ficou horrorizada.
No entanto, não fui para um hospital, ou a um psicólogo, porque a anorexia nervosa não era tão divulgada como é agora e não foi levada com a seriedade com que o é actualmente. De modo que a cura foi colocarem-me os pratos de comida à frente com a frase: Não sais daí, enquanto não comeres isso tudo.Foi um martírio durante uns bons dias, mas depois acabei por voltar a comer com vontade. Mantive-me bem uns anos, embora tendo uns certos cuidados, mas comia de tudo.
Voltei a ter uma recaída devido a um comentário infeliz de um namorado, na altura, sobre o meu corpo do género:não achas que estás gordinha?
Há homens muito insensíveis... ou estúpidos. E se alguém tem uma baixa auto-estima, acredita, em vez de responder à letra, ou mandá-los ir dar uma curva.
Ficou a constante preocupação em relação ao peso, ou seja, de vez em quando recorria aos laxantes quando ia a uma grande jantarada e fazia excessos, ou a casamentos, ou apenas um jantar em casa de amigos.
Quando ia aos supermercados, estava sempre atenta ao número de calorias dos alimentos e bebidas, enquanto que a maioria das pessoas olha mais para os prazos dos alimentos.
Comecei a comprar manteigas light, sumos com metade das calorias,
cereais tipo fitness, barras energéticas como substitutas de refeições, etc.
Tirando os produtos da farmácia para adelgaçamento, celulite, etc.
Submeti-me a alguns tratamentos, como mesoterapia médica, dietas em que se tem nas mãos uma lista enorme... de alimentos que não se podem comer. Ora se eu já comia pouco, menos fiquei a comer, tais eram as restrições.Pensei em recorrer à lipoaspiração, mas tive algum receio, pois tinha ouvido falar em certas experiências que correram mal, pessoas que não só não ficavam bem estéticamente,como ficavam na pior, no que toca à saúde.



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Ao contrário da maioria das anorécticas, nunca tive aquela obsessão de me pôr a cozinhar frenéticamente e obrigar as pessoas a comer, ou de fazer exercício físico a todas as horas. Apesar da extrema preocupação, nunca deixei totalmente de comer. Tentava não chegar ao fim do dia sem uma maçã ou um prato de sopa no estômago. Nunca deixei de ter fome. As anorécticas, ao contrário do que se pensa, não se habituam a não comer. Apenas fazem esforços titânicos para não o
fazer. E quando não resistem à fome, sentem-se culpadas do que fizeram e toca a desfazer o que se comeu.



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De anoréctica, passei a bulímica e, mais tarde, passei a ser as duas coisas. Sim, isso é possível. E é também difícil de se resolver. Fui consultada por um bom psiquiatra, levei muito tempo para conseguir falar do meu problema, porque eu não o encarava como tal. No fim do tratamento fez-me prometer que não me pesasse, para não cair novamente em tentação. Cumpri a promessa durante três anos. Depois... adivinham, certo?
Andei a lutar contra isto durante uma boa década. Devido a isto, tinha depressões, a saúde oscilava, tinha mais problemas, não era particularmente feliz, embora aparentasse o contrário. Entendo perfeitamente as miúdas que passam por isto, porque, infelizmente,
estamos a viver uma época de sobrevalorização dos corpos magros e bem feitos, coisa que, devido à estrutura física de muitas mulheres e a carga de trabalho que têm, chega a ser impossível. Para se ter um corpo como as top models, há que se investir muito tempo e dinheiro. Ora nem toda a gente possui tal arcaboiço financeiro, ou dispõe de muito tempo para tratar de si. Ou, pura e simplesmente, a constituição genética põe entraves a isso. E, das duas, uma... ou se aprende a viver com o corpo que se tem - com isto, não digo que não se tomem certos cuidados, claro -, ou vive-se em contínuo sofrimento e abstenção de quase tudo, para conseguir ter um mínimo de corpinho bem feito e, mesmo assim, nunca se fica satisfeita com o que se alcançou. Além de que basta o mínimo deslize, para que as coisas descambem e voltem ao mesmo. É aquilo a que chamamos pescadinha
de rabo na boca.



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Espero que este meu testemunho ajude quem esteja a preparar-se para entrar em dieta porque não se acha bem, ou porque alguém apontou
algo. lembrem-se que, uma vez nisto, dificilmente se consegue sair ilesa física e psicológicamente. Ainda hoje continuo a lutar para não voltar a cair.

Não queiram isto. Gostem de si próprias!



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Anónima



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